Carência sócio-económica ▸ Considerações gerais

Evolução legislativa

No quadro de valorização da proteção social e garantia de mínimos de existência condigna do Estado social da Constituição de 1976, a carência socioeconómica motivou a aprovação de inúmeros diplomas, em áreas da segurança social, do trabalho e em matéria tributária, por exemplo. No entanto, só nos anos 90, foi criado um subsídio específico para estas situações, a que não foram alheias as pressões decorrentes das recomendações de políticas públicas ao nível europeu. 

Neste âmbito, importa referir a Recomendação n.º 441 (24/6/1992), aprovada pelo Conselho Europeu, relativa a critérios comuns respeitantes a recursos e prestações suficientes nos sistemas de proteção social. Neste documento, propunha-se aos países integrantes da Comunidade Económica Europeia (CEE) que “reconheçam, no âmbito de um dispositivo global e coerente de luta contra a exclusão social, o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana”. 

Por seu turno, o Livro Verde da Política Social Europeia (17/11/1993) previa por parte dos Estados-membros, no contexto da luta contra a pobreza e a exclusão, o desenvolvimento de políticas de proteção social orientadas para a autossuficiência e a integração social e económica dos indivíduos na sociedade, reconhecendo a necessidade de proporcionar um rendimento mínimo decente às pessoas em situação de carência. 

Esta tendência teve expressão no plano interno, com a Lei n.º 19-A/96 (29/6) a instituir o pagamento de um subsídio destinado a assegurar um mínimo de existência condigna, que se denominou rendimento mínimo garantindo (RMG). 

De acordo com as declarações do Ministro da Solidariedade e Segurança Social da época, a lei sobre o RMG revelava-se fundamental, na medida em que: “Em primeiro lugar, cria um instrumento coerente no contexto de proteção social, reconhecendo a cada cidadão residente em Portugal o direito a um nível mínimo de subsistência, desde que se encontre numa situação de exclusão social e esteja ativamente disponível para seguir um caminho de inserção social. Em segundo lugar, a nova medida é criada sob a forma de um contrato social que compromete o Estado, os parceiros sociais, as instituições de solidariedade, as autoridades municipais e os cidadãos, sendo que o primeiro se compromete a conceder uma prestação financeira e, em conjunto com o segundo, a apostar na criação de oportunidades para a inserção social e, por sua vez, os últimos se comprometem a seguir as trajetórias de inserção que foi possível criar. Em terceiro lugar, este novo instrumento é criado no contexto de um sistema de proteção social, sendo equiparado com a pensão social porque se entende que deve representar um nível mínimo de proteção social universal.” 

Em 2003, o RMG viria a dar lugar ao rendimento social de inserção (RSI), aprovado pela Lei n.º 13/2003 (21/5), cujo regime trouxe alterações ao nível das condições de atribuição da prestação, dos rendimentos a considerar para o cálculo da prestação e dos elementos que devem ser considerados no cômputo do agregado familiar. 

No que toca às condições específicas de atribuição do RSI, a nova regulamentação estabeleceu a obrigatoriedade de o beneficiário estar inscrito como candidato a emprego no centro de emprego da área de residência há, pelo menos, seis meses, bem como o dever de realização das diligências adequadas à obtenção de emprego. 

Com a aprovação da Lei n.º 13/2003 (21/5), é ainda de destacar o reforço do envolvimento da sociedade civil no combate às situações de carência socioeconómica, através da celebração de protocolos com os parceiros sociais, sendo de notar que as Comissões Locais de Acompanhamento (CLA) foram substituídas pelos Núcleos Locais de Inserção (NLI). 

Tendo impacto sobre o montante atribuído pelo RSI, cabe igualmente mencionar a Lei n.º 53-B/2006 (29/12), que criou o indexante dos apoios sociais e novas regras de atualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social, passando o valor do RSI a estar indexado ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS). 

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 70/2010 (16/6) veio estabelecer regras para a determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de proteção familiar e do subsistema de solidariedade, tendo ainda procedido a alterações no regime de atribuição do RSI. 

Este diploma introduziu ajustamentos que implicaram uma maior responsabilização dos destinatários da prestação, passando a recusa de emprego conveniente, de trabalho socialmente necessário, de formação profissional ou de outras medidas ativas de emprego a implicar a cessação da concessão do RSI e a inibição da sua atribuição pelo período de 24 meses. 

Ademais, foram criadas medidas de reconhecimento e validação de competências escolares ou profissionais, medidas de formação, educação ou de aproximação ao mercado de trabalho para beneficiários com idade entre os 18 e os 55 anos, que não estavam integrados no mercado de trabalho, desde que não estivessem incapacitados. 

Sem tempo para o regime legal se consolidar, a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 133/2012 (27/6) tornou a atribuição do RSI dependente da apresentação da condição de recursos do beneficiário, na medida em que o valor do património mobiliário do requerente e do seu agregado familiar não podia ser superior a 60 vezes o valor do IAS. Procedeu-se também à alteração da escala de equivalência para efeitos da capitação dos rendimentos do agregado familiar, adotando-se como modelo a escala de equivalências da OCDE. 

Mais se determinou que o RSI só seria atribuído após a assinatura do contrato de inserção, que a inscrição dos beneficiários no centro de emprego era obrigatória e que a renovação anual da prestação deixava de ser automática, passando a estar dependente da apresentação de um pedido de renovação por parte dos respetivos titulares. 

Para além disso, alargaram-se as situações de cessação da concessão do RSI, passando a ser causa de cessação, entre outras, a falta de comparência injustificada a quaisquer convocatórias efetuadas pelos serviços gestores da prestação.

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 221/2012 (12/10) estabeleceu que os beneficiários do RSI passavam a ser obrigados a exercer uma atividade socialmente útil, encarado o desempenho desta atividade útil como uma “forma de ativação social e comunitária por parte dos beneficiários da prestação de rendimento social de inserção, através da colaboração prestada a entidades que desenvolvem este tipo de atividades, prestando desta forma um importante contributo cívico a favor da comunidade onde se inserem, e que não se confunde com o desenvolvimento de trabalho socialmente necessário a que se encontram obrigados os beneficiários de prestações de desemprego. 

A respeito do valor do RSI, foi publicado o Decreto-Lei n.º 13/2013 (25/1), que previa que o montante do RSI deveria corresponder a 42,495% do valor do IAS, tendo, posteriormente, o Decreto-Lei n.º 1/2016 (6/1) introduzido uma pequena subida do valor do RSI, passando este a corresponder a 43,173% do valor do IAS. Este diploma modificou também a escala de equivalência aplicável, o que se traduziu num aumento da percentagem do montante a atribuir por cada indivíduo maior, de 50% para 70% do valor de referência do RSI, e por cada indivíduo menor, de 30% para 50% desse valor de referência. 

Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 90/2017 (28/7) determinou a reavaliação dos requisitos e condições gerais de atribuição do RSI, designadamente no que diz respeito à residência legal em Portugal e aos termos da sua comprovação, na sequência de declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional. Pelo Acórdão n.º 141/2015 (25/2) considerou-se que eram inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, as normas da al. a) do n.º 1 e do n.º 4 do art. 6.º da Lei n.º 13/2003 (21/5), na redação do Decreto-Lei n.º 133/2013 (27/6), na parte em que impunham como condição de acesso ao RSI por parte dos cidadãos nacionais e suas famílias a residência legal em território nacional pelo período mínimo de um ano. 

O Decreto-Lei n.º 90/2017 trouxe a possibilidade de os cidadãos acolhidos em respostas sociais de natureza temporária, internados em comunidades terapêuticas ou em unidades de internamento da rede nacional de cuidados continuados integrados, ou em cumprimento de pena de prisão, requererem a prestação de RSI antes da saída, da alta ou da libertação, iniciando-se o pagamento da prestação no mês da saída ou da alta, favorecendo, deste modo, a inserção e o regresso à vida ativa. O direito à prestação passou a ser reconhecido a partir da data em que o requerimento se encontrasse devidamente instruído, não fazendo depender o mesmo da celebração do contrato de inserção. 

Embora com âmbitos mais limitados no que toca ao combate à carência socioeconómica, devem ainda ser mencionados o Decreto-Lei n.º 126-A/2017 (6/10), que instituiu uma nova prestação social tendo em vista promover a autonomia e inclusão social da pessoa com deficiência e com baixos rendimentos, bem como, vindo já desde 2006, o Decreto-Lei n.º 232/2005 (29/12), que previa a atribuição de um complemento solidário para idosos, destinado a pensionistas com mais de 65 anos em situação de carência económica. 

Por último, vale também a pena recordar o Decreto Regulamentar n.º 52/81 (11/11), diploma que estabeleceu a previsão do pagamento de uma pensão por viuvez, a par de outras prestações sociais atribuídas na eventualidade de morte. 

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